7 de setembro de 2009

O Brasil de DaMatta.

Olá amigos! Neste primeiro post do Blog quero deixar um texto relacional que produzi a pedido do professor Sebastião Marques, da matéria Oficina de Leitura e Escrita. O texto relaciona o primeiro capítulo do livro "O que faz o brasil, Brasil?", com a ilustração que antecede este mesmo capítulo. Espero que gostem!
Na gravura abaixo, o escritor Roberto DaMatta.
REFLEXÕES SOBRE UMA IDENTIDADE ILUSTRADA DO POVO BRASILEIRO
Por Moisés Nascimento
DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Capítulo 1: O que faz o brasil, Brasil? A questão da Identidade. Rio de Janeiro: Rocco: 1986.  
A primeira impressão que temos ao visualizar a ilustração do primeiro capítulo do livro “O que faz o brasil, Brasil?”, do escritor Roberto DaMatta, é de estar diante de um contorcionista equilibrista. A imagem, desenhada pelo chileno Jimmy Scott, retrata um homem deitado no chão, levando as pernas ao alto da cabeça, e equilibrando uma cadeira com a ponta da língua usando apenas uma das quatro pernas do objeto. A cena, apesar de curiosa e digna de um espetáculo circense, exprime várias das idéias de DaMatta a respeito do povo brasileiro, expostas no capítulo um, intitulado: “O que faz o brasil, Brasil? A questão da identidade”.
O escritor começa explicando ao leitor o porquê do título, relacionando o “brasil,”com b minúsculo, à colônia, à terra sem raízes. Ao Brasil com b maiúsculo, DaMatta refere-se à nação, ao país construído por brasileiros. Mergulhados nessa construção, os valores, o comportamento, as preocupações, as alegrias e até o jeitinho malandro, tantas vezes exaltado em poemas e canções, como se a malandragem fosse uma de suas características mais notáveis.
A ilustração de Jimmy Scott, quando relacionada às palavras de DaMatta, acabam por revelar muito da identidade de um típico brasileiro. Metaforicamente, acabamos associando o contorcionismo da imagem a essa malandragem, essa esperteza, essa criatividade que muitas vezes torna o impossível, possível. Quanto a equilibrar a cadeira com a ponta da língua, muitos brasileiros, certamente, afirmariam ser, esta ação, mais fácil que equilibrar as contas do lar, administrar lazer e trabalho, ou ainda, educar os filhos.
No capitulo um, DaMatta afirma existirem dois modos básicos de analisar a construção da identidade brasileira: através de dados precisos ou relativos, que acabam nos constatando que o país não é o que gostaríamos que fosse; e através de dados sensíveis e qualitativos, onde somos o que, para nós, vale a pena. Nos dois casos o povo é a base, o alicerce, assim como o personagem da gravura. Faz parte das estatísticas, dos números, das análises, que revelam as dificuldades e os problemas, tal qual o contorcionismo e o equilibrismo. É também este povo que se orgulha dos seus feitos, de sua alegria espontânea, da sua criatividade, características essas comparáveis aos feitos do personagem da ilustração.
Mas essas duas formas acabam por serem excludentes, pois dividem a sociedade brasileira em dois mundos que intrinsecamente são um só. É como se o Brasil fosse um grande circo, onde o brasileiro, representado pelo equilibrista da gravura, se apresenta para um grande público, cheio de luzes e magia, onde o picadeiro é o palco daquilo que o artista faz de melhor. Mas, antes e depois do espetáculo, o artista é tão humano e tão real como qualquer cidadão, cheio de dificuldades, obrigações, tão parte dos números e estatísticas como qualquer outra pessoa. O problema talvez esteja em enxergar o circo apenas como ele é na hora do show, e estar tão envolvido com a sua magia ao ponto de não perceber os furos de sua lona, a roupa rasgada do artista, ou a estrutura precária de suas arquibancadas. É carregar o Brasil de temporalidade, tão eterna quanto dura um show circense, o carnaval, ou até mesmo uma partida de futebol.
Um fator importante citado, brevemente, por DaMatta no primeiro capítulo de seu livro é a relação que a língua tem com a identidade do brasileiro. É a língua que sustenta muitas das diferenças e igualdades, e é a linguagem que estabelece grande parte da identidade sociocultural desse povo. Curiosamente, a gravura de Jimmy Scott apresenta o personagem com a língua exposta, que sustenta uma cadeira. Certamente a intenção do desenhista não foi de apenas aumentar a dificuldade da ação do personagem, mas talvez de mostrar que nossa língua sustenta o peso da origem burguesa que aqui atracou e reinou por muitos anos. As idéias, de trono e de rei, refletem negativamente até hoje em nossos lares e instituições, sejam elas jurídicas, políticas ou sociais. Nelas, o detentor do posto mais alto é sempre visto como alguém distante do povo, e este, por conseqüência, acaba possuído pelo resquício absolutista, esquecendo sua origem, e acreditando que pode, assim como um rei, usar do poder a ele conferido como bem entender.
A cadeira, na gravura, acaba por representar o estado, que deveria dar conforto à sociedade, e não ser sustentada por ela de forma tão desigual.  Um equilibrismo praticamente impossível, mas real e presente nas relações sociais do país. A cadeira acaba assumindo seu significado mais simples, um “banco com encosto”, onde alguns se encostam, sentindo-se rainhas e reis, donos de um poder e um prestígio que, na verdade, não são pessoais. Já a língua, representa a própria língua portuguesa, que carrega consigo a descendência européia advinda de Portugal, não só da linguagem, mas dos costumes e da forma de governar, completamente autoritário e excludente. Essa relação divide ainda mais a nação.
Roberto DaMatta conclui falando da capacidade que o brasileiro tem de viver entre duas realidades distintas. No entanto, o escritor alerta para o perigo de a sociedade brasileira viver sem a plena consciência da existência desses dois mundos, e que enquanto ela estiver mergulhada no universo intermediário, construindo sua sociabilidade em alicerce tão flutuante e ilusório, estará condenada às autoflagelações e às crises, sem soluções ou perspectivas de desenvolvimento.
Enquanto acharmos que contorcer-se e equilibrar uma cadeira com a ponta da língua é algo que só podemos ver em espetáculos ou gravuras, continuaremos presos no mundo mágico do intermédio. É preciso acordar e perceber que o show esta em nossos lares, nossos bairros e cidades, nas filas dos hospitais e nos departamentos públicos, nos ambientes de trabalho, e reconhecer que não somos somente espectadores, somos os artistas, os que protagonizam a realidade.
O escritor compara o Brasil a uma moeda, cara e coroa de um mesmo país que juntos, constituem valor, mas que não se relacionam diretamente. Como mudar isso? Por hora, parece mais fácil redesenhar a gravura de Jimmy Scott e colocar a cadeira dando conforto ao personagem. O mais difícil, e correto, é pensar numa forma de transformar a moeda em uma esfera, onde os dois lados constituam um todo, onde cara e coroa se relacionem mutuamente, para finalmente dar ao Brasil a consciência de sua pluralidade, e criar as possibilidades para a sua unificação.


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